NECA SETUBAL DIZ "FIES TINHA FALHAS, E CORTAR PROGRAMA FOI IMPORTANTE"


Na edição de hoje, 08 de novembro, as jornalistas Joana Cunha e Ana Estela de Sousa Pinto, da FOLHA DE S. PAULO, entrevistam a educadora Neca Setubal, que dentre muitas coisas ditas na entrevista, falou que não resquício qualquer que possa fundamentar a propaganda do governo PT, da qual cita o Brasil como "Pátria Educadora". Neca Setubal falou também sobre os cortes do FIES (Financiamento Estudantil) que o Governo Federal fez este ano, e diz que Dilma Rousseff não tem prioridade alguma na educação. A entrevista completa você verá a seguir. A divulgação prioriza apenas, compartilhar as informações e garantir acesso ao conhecimento para o público em geral. O Conhecimento Cerebral respeita qualquer tipo de opinião e por isso, não é favor de qualquer tipo de plágio. Ainda incentivamos o apoio a qualquer veículo de comunicação, desde que trabalhe e priorize a elaboração de informações úteis e verdadeiras.


Por: Joana Cunha e Ana Estela de Sousa Pinto

"Para a educadora Maria Alice Setubal, a Neca, educação não é um tema que deve motivar a presidente Dilma. 'Não é a educação o ponto em que ela tem especial atenção. No segundo mandato não há nada que se possa chamar de pátria educadora', diz Neca, que atuou na campanha presidencial de Marina Silva em 2014.
Em entrevista à Folha Neca fala do impacto da falta de prioridade na educação sobre a produtividade. 'A educação tem papel na baixa produtividade, por ser de baixa qualidade'.

FOLHA: "Brasil, Pátria Educadora. É só propaganda ou há avanço no governo Dilma?"
Maria Alice Setubal: "Provavelmente a presidente tem clareza da importância da educação tanto num contexto de desenvolvimento do país quanto, principalmente, num contexto de crise. Talvez por isso tenha colocado esse slogan. Não quero dizer que é puro marketing, mas talvez não seja o tema que mais motiva. Certamente não é, dada toda a gestão dela. E até agora não há nada que se possa chamar de pátria educadora."



FOLHA: "Quão grave é a descontinuidade na educação, com cinco ministros em pouco tempo?"
Maria Alice Setubal: "É ruim, pois um fator que traz sucesso na educação é a continuidade. Não quer dizer fazer tudo exatamente igual, mas levar em conta o que foi feito e dar um salto.
Os governos FHC e Lula avançaram. O ministro Fernando Haddad [2005-2012] partiu do que havia sido feito por Paulo Renato no governo anterior [1995-2002] e deu um salto. Uma continuidade dando um salto. A descontinuidade é muito grave, porque gera certa paralisação. Se a educação não avança, anda para trás. O fracasso e a desigualdade vão aumentando."

FOLHA: "Qual o maior gargalo?"
Maria Alice Setubal: "Não há um só. Se tivesse de escolher um, é o professor. Não adianta ter recursos sem gestão. Mas também não adianta achar que com R$2.000 ou R$3.000 por aluno por ano vai ter boa qualidade, quando esse é o custo mensal de uma boa escola particular. Não adianta achar que o professor está bem formado quando damos um curso ligeiro. Não é só formação, mas valorização, salário e carreira."

FOLHA: "Tecnologia ajuda?"
Maria Alice Setubal: "Um relatório da OCDE [órgão que reúne grandes economias] analisou o impacto da tecnologia na qualidade da educação, e a conclusão é que é relativo. Sem qualidade, a tecnologia, em vez de resolver, eleva as desigualdades. Pode ajudar um bom ensino, mas não substitui um ensino precário e pobre. Temos de conseguir equidade, e não será pela tecnologia. Estudantes de melhor nível socioeconômico conseguem usar internet por muitas coisas, inclusive para o conhecimento, e os de menor nível usam mais para entretenimento, redes sociais, joguinhos."

FOLHA: "Esta fase que o país atravessa, de recessão e alta de desigualdade, atrasa a educação?"
Maria Alice Setubal: "Sim. A crise, ni melhor cenário possível, pode durar dois anos. Não adianta querer isolar e falar de mais recursos. Fazer o corte linear é um absurdo.
Tem de cortar, mas não da forma que foi feito. Está certo colocar critérios melhores para o Fies. Mas, dado que há a crise, o corte e o problema de municípios e Estados que dependem de recursos do MEC, alguns pontos que não dependem de verbas podem lá na frente ter impacto grande. Por exemplo, o sistema nacional de educação, que não temos."

FOLHA: "Em quantos anos se resolve isso? Gerações?"
Maria Alice Setubal: "Não sei. Estou falando do lado vazio do copo. Se olharmos para a metade cheia, já avançamos muito.
Com todas as precariedades que ainda temos, em junho de 2013 havia muita gente da classe C que fez faculdade, avançou uma geração, vindo de uma geração de pais que nem completaram o ensino fundamental.
A qualidade da educação ainda não é boa, e o percentual de jovens no ensino superior é baixo, comparado com o da América Latina, mas já houve um avanço.
Se leva uma geração? Essa geração que chegou à faculdade certamente terá impacto melhor sobre a educação dos seus filhos e isso provavelmente vai ter impacto em menor desigualdade. Vai colocar seus filhos com quatro anos na escola, ou antes. Mas quanto tempo vai levar não sei. Talvez seja uma geração mesmo."

FOLHA: "Qual o impacto dessa dificuldade toda na produtividade?"
Maria Alice Setubal: "Grande. Porque as empresas têm essa demanda grande, antes da crise, principalmente, com o apagão da mão de obra. Outro dia estava numa reunião na Fundação Dom Cabral em que se comparava a produtividade da mão de obra brasileira com a dos demais países. A nossa é superbaixa. Certamente, a educação tem papel na baixa produtividade, por ser de baixa qualidade."

FOLHA: "Há um problema no modelo de formação de professores? Muito voltado para a teoria?"
Maria Alice Setubal: "Sem dúvida nenhuma. Tem de haver teoria, é fundamental, mas ela tem de dialogar com a prática. Na maioria das vezes a faculdade de educação é muito teórica mesmo e desconectada da prática. O professor se forma e não sabe alfabetizar. Quando havia magistério, era melhor, o professor saía melhor do que agora."

FOLHA: "O corte de recursos na educação foi exagerado?"
Maria Alice Setubal: "Foi linear. Não olhou para cada ministério e falou: 'Bom, aqui é importante'. Acho importante ter cortado o Fies. O que aconteceu com o programa? Aumentou uma barbaridade de 2010 para 2014 o recurso e não aumentou o número de alunos. Não tem nenhum sentido. Sem nem mencionar a qualidade. Mas não foi feito só o corte no Fies. Foi geral. Teria de olhar para cada política, para cada programa e pensar qual é a prioridade."



A entrevista acima foi retirada do jornal FOLHA DE S. PAULO - VERSÃO DIGITAL, nº 31. 630, pág. 7. Mercado. 08 de novembro de 2015 (Acesso: 08/11/2015)


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