MARK McCURNEY DIZ QUE "O COMBATE ESTÁ ERRADO"


Na edição desta semana, 25 de novembro, o colunista Felipe Vilicic da revista Veja, entrevistou o oficial da Força Aérea dos Estados Unidos Mark McCurney, que abandonou os poderosos caças para pilotar os vants, conhecidos popularmente como drones. Ele é autor do livro  Hunter Killer (Caçador Assassino), lançado recentemente no país norte-americano, e que estará disponível para venda em breve, também no Brasil. Entre as muitas críticas e afirmações apresentadas na entrevista que você acompanha a seguir, McCurney afirma que "O EI não para de espalhar tentáculos pelo planeta. Isso prova que o plano de combate está errado. Ações aéreas servem quase que somente para aparecer na mídia. Estão longe de ser suficiente". A divulgação das informações somente tem objetivo de levar conhecimento ao publico em geral. Por isso, o Conhecimento Cerebral respeita qualquer tipo de opinião, e não é a favor de plágio. Ainda incentivamos o apoio a qualquer veículo de comunicação, desde que priorize a elaboração de informações úteis e verdadeiras.


Por: Felipe Vilicic

"Há doze anos, o oficial da Força Aérea americana Mark McCurney tirou o traje típico de piloto para se apresentar como voluntário de uma divisão nova e malvista, a Predator, a principal equipe de veículos aéreos não tripulados (os vants) dos Estados Unidos - o termo "drone" é, para ele, apenas a designação das versões comerciais desses aparelhos. Em seu livro Hunter Killer (Caçador Assassino), lançado em outubro nos EUA e, agora, no Brasil, McCurney, hoje tenente-coronel reformado da Predator, narra como o programa passou a ser valorizado e se tornou uma eficiente arma contra o terrorismo. Na entrevista a seguir, ele também analisa quais seriam as melhores estratégias para enfrentar o Estado Islâmico (EI), grupo por trás dos ataques a Paris no último dia 13.

Felipe Vilicic (VEJA): "Os vants foram responsáveis pela maior parte das mortes de líderes terroristas nos últimos anos. Uma dessas aeronaves matou o notório Jihadi John. Elas significam o fim do terrorismo?"
Mark McCurney: "Nossos inimigos apelidaram os vants de Diabos Brancos. Só é possível saber que eles estão voando lá em cima na hora em que se vê o míssil chegando ao alvo. Alimentamos um medo crescente nos terroristas, principalmente quando começamos a eliminar seus líderes. Foi o tiro de um vant comandado por mim que matou Anwar al Awlaki, em 2011, líder da Al Qaeda então o terrorista mais procurado do mundo. Hoje, nossos inimigos, como os do EI, felizmente têm de tomar o maior cuidado ao planejar suas ações. Afinal, eles não sabem quando estão sendo observados do céu. Passamos meses rastreando o dia o dia de um alvo, coletando informações. Se fica claro que o alvo decidiu executar um ataque a civis ou aos nossos militares, atiramos."

Felipe Vilicic (VEJA): "Mesmo assim, ocorrem tragédias como a de Paris. Não é hora de mudar a estratégia?"
Mark McCurney: "Sozinhos, os vants não a solução. Eles ajudam a isolar o inimigo, geograficamente, ao máximo. Entretanto, é indiscutível que o EI, por exemplo, não para de espalhar tentáculos pelo planeta. Isso prova que o plano de combate está errado. Neste momento, ataques aéreos de grande magnitude, como os executados pelos Estados Unidos e pela Europa, servem quase sempre que somente para aparecer na mídia, mostrar que alguma ação é realizada. Estão longe de suficiente."


Felipe Vilicic (VEJA): "O presidente americano Barack Obama, porém, anunciou na semana passada que não cogita enviar, neste momento, mais tropas terrestres para conter o EI na Síria. Não seria esse o melhor plano para exterminar a ameaça?"
Mark McCurney: "Colocar nosso Exército lá se provaria uma solução temporária. Sim, conseguiremos conter o inimigo. Mais que isso, temos de mostrar a ele que haverá consequências. A falta de uma resposta dura de Obama pode ser interpretada pelos terroristas como sinal de que não haverá retaliação, o que os incentiva a planejar outros ataques em massa como o de Paris. Infelizmente, prevejo um futuro tenebroso para a Europa se não tomarmos, agora, uma atitude real contra o EI. Por outro lado, o Terror continuaria a se espalhar de outras formas. Essa é uma das características do terrorismo."


Felipe Vilicic (VEJA): "O que fazer para contê-los?"
Mark McCurney: "No momento, a atitude urgente que falta é monitorar adequadamente as fronteiras de nações ocidentais. Nos EUA, temos cuidado. Não é simples atravessar o limite entre a América Latina e nosso país, o que facilita também a contenção do Terror. Mesmo assim, o FBI calcula que haja 600 membros do EI escondidos aqui. Na Europa, é bem pior. Lá, as fronteiras são abertas. Eu, americano, atravesso países como Alemanha e França sem ser parado nem sequer uma vez. Terroristas se aproveitam da fragilidade para invadir países europeus. Algumas vezes, trajados como refugiados. A longo prazo, é a diplomacia, não nosso poderio militar, que pode acabar de vez com o extremismo muçulmano. É necessário convencer nações árabes, centros da doutrina islâmica, principalmente a Arábia Saudita, a se posicionar com empenho contra os terroristas. Elas precisam entrar de fato nessa batalha, dando fim não só a um ou outro grupo, mas às bases ideológicas usadas por esses bárbaros radicais."

Felipe Vilicic (VEJA): "Foi por patriotismo que o senhor decidiu ser militar?"
Mark McCurney: "De forma alguma. Diferentemente do que leva a crer o senso comum, a maioria dos militares americanos não é de patriotas, no sentido literal da palavra. Somos muito críticos ao governo. Decidi dedicar minha vida à Força Aérea para colaborar no combate ao Terror. Mais que ameaçarem um ou outro país, terroristas agridem a democracia. Não aceitam que tenhamos liberdade, seja no Ocidente ou no Oriente. Entrei na briga em defesa de minha liberdade, da de minha famílias e de meus iguais."

Felipe Vilicic (VEJA): "Em seu livro, o senhor ressalta que a Força Aérea e o Exército viam o programa do vant com desprezo quando se apresentou como voluntário para ele, em 2003. Como mudou a percepção negativa?"
Mark McCurney: "Os pilotos se enxergavam como os bacanas do filme Top Gun, batalhando nos ares contra outros caças. Esse tipo de confronto só foi decisivo para o domínio estratégico dos ares na I Guerra Mundial. De lá para cá, o combate ar-ar entre dois caças foi, aos poucos, se tornando raro. A ideia de ser piloto de um vant, operando milhares de quilômetros da batalha, era arrasadora para quem sonhava em ser um ás da aviação de guerra.  Por essa razão, muitos rejeitaram a Predator."

Felipe Vilicic (VEJA): "Por que optou por trocar os caças pelos drones?"
Mark McCurney: "Em 2003, a Força Aérea não tinha ideia de como usaria os vants. Entretanto, para mim era evidente que estava ali o futuro da guerra. Mas para provar nosso valor era essencial fazer algo espetacular."

Felipe Vilicic (VEJA): "Fizeram esse 'algo espetacular'?"
Mark McCurney: "Em 2005, um dos nossos pilotos, cujo apelido é Droopy, entrou na briga para salvar um batalhão emboscado por terroristas no Iraque. Droopy era piloto de F-16 antes de ingressar na Predator. Ele não queria ficar oito horas por dia olhando para uma tela só assistindo ao combate. Naquele tempo, ativavam-se os vants quase que exclusivamente para espionar e determinar a localização de inimigos. Droopy viu que uma patrulha nossa havia caído em uma armadilha e estava completamente cercada. Ele disparou os dois mísseis Hellfire do vant que operava e acabou com a emboscada. Essa ação mostrou nosso potencial para poupar a vida de nossos soldados e caçar terroristas. Foi assim que entramos para valer no campo de batalha."


Felipe Vilicic (VEJA): "Como os drones transformaram os combates?"
Mark McCurney: "Os veículos aéreos não tripulados são a maior revolução no campo de batalha desde a introdução das primeiras aeronaves militares, nos anos 1910, verdadeiramente atuantes a partir da I Guerra Mundial. Ao lado da artilharia, os caças tornaram-se a principal escolha de arma quando se precisa atingir alvos de longa distância. Um século depois, os vants apareceram como a alternativa mais certeira, difícil de ser detectada, e que pode eliminar alvos com menor possibilidade de danos colaterais. Aumentamos a eficácia das missões e diminuímos as perdas."

Felipe Vilicic (VEJA): "O senhor vê futuro no uso pacífico desses aparelhos?"
Mark McCurney: "Fazer a guerra é só uma das funções dos vants. Há organizações utilizando-os para fins humanitários. Drones foram aplicados para localizar em meio às inundações provocados pelo furacão Katrina, em 2005, em Nova Orleans. Na indústria, são diversos usos. A Amazon e outros já testam drones para a entrega de encomendas.

Felipe Vilicic (VEJA): "O drone recreativo que caiu por imperícia do piloto nos jardins da Casa Branca, em janeiro, em Washington, poderia facilmente ter sido adaptado para transportar uma bomba. Os terroristas podem um dia usar drones?"
Mark McCurney: "O que devemos fazer é regular e controlar o uso desses aparelhos tendo sempre a segurança em mente. Esse é o maior desafio contemporâneo da FAA (órgão responsável pela aviação americana). Primeiro, é preciso diferenciar os drones de um vant, como o Predator das operações da Força Aérea, que tem o tamanho de um monomotor Cessna Skylane. Essa distinção, embora seja evidente, ainda não existe na letra da lei. Segundo, o governo tem de regular o uso dos drones, algo que não será feito por associações independentes, muito menos pelas empresas que os vendem . Eles representam perigo. É claro que podem ser usados para executar ataques terroristas. Temos de organizar o comércio dessas novas tecnologias. Não proibi-las."

Felipe Vilicic (VEJA): "Alguns críticos dos vants dizem que eles tornam matar o inimigo uma ação fria e distante e, assim, podem 'desumanizar' o combatente. O senhor concorda?"
Mark McCurney: "Essa visão é completamente incorreta. Primeiro, a distância não torna mais fácil matar. Acredito que  a grande maioria dos seres humanos, como eu, tenha repulsa à ideia de tirar a vida de alguém. Infelizmente, no Exército há essa necessidade. Agora, apenas porque não corremos risco físico ao pilotar um vant, supõem que se torna menos emocional a obrigação de assassinar. Digo o contrário. Em um caça, nem sabemos quem é o alvo. O piloto está a quilômetros de altitude ao disparar na região designada. Um soldado em campo também cria menor laço emocional com a vítima. Afinal, chega para o combate, faz o que tem de fazer e vai embora. Em ambos os casos, os combatentes são treinados para executar seu trabalho com profissionalismo, sem muito lugar na mente para sensações de culpa ou de pena. Quando voltam para casa, passam por um período de descompressão em que as questões psicológicas, como os choques estressantes, são devidamente tratadas. Os pilotos da Predator, por seu turno, são obrigadas a se envolver com o alvo de uma maneira mais próxima. Para começar, eles o seguem durante meses pelas lentes do vant. Passam a saber tudo sobre o sujeito que eventualmente vão matar. Sabem a que horas ele acorda, como se relaciona com a família, que lugares frequenta. É uma relação próxima demais. Eu já me vi na situação de ter de eliminar um alvo no momento em que ele falava com a mulher pelo celular. Depois disso, não tive tempo para refletir, fui para casa. Minutos depois de executar o terrorista, eu estava brincando com meus filhos. Tive de digerir aquela morte no caminho entre a base e a minha casa."

Felipe Vilicic (VEJA): "Já existe uma tecnologia digital que decide no lugar dos pilotos se o vant deve matar, analisando o dano colateral aceitável conforme o valor estratégico do alvo?"
Mark McCurney: "Sim, está em estudo. Só que utilizar algoritmos para resolver esse tipo de questão seria um erro enorme. Se começássemos a implementar isso, aí, sim, desumanizaríamos nosso trabalho, com consequências terríveis. Deixarmos de ser humanos em conflito para virarmos exterminadores frios, como os do filme com essa palavra no título. Hoje, antes de apertar o gatilho é preciso ter aprovação de superiores militares e das autoridades de segurança. Em algumas situações, é necessário obter a aprovação do presidente dos Estados Unidos. O envolvimento de mais pessoas na tomada de decisões diminui a possibilidade de erros. Nenhuma máquina pode ter o poder de vida e morte sobre os seres humanos."


Felipe Vilicic (VEJA): "O senhor conta no livro que em 2004, no Afeganistão, teve no alvo o terrorista Osama bin Laden (morto por tropas especiais em 2011, no Paquistão), mas a autorização para atirar não veio. O que houve?"
Mark McCurney: "Tenho convicção de que se tratava mesmo de Bin Laden. Estava com os trajes típicos. A altura, o comportamento e a escolta o denunciavam. Meus superiores políticos não se convenceram e abortaram a missão. Senti-me frustrado ao ver Bin Laden indo embora. Penso que foi mais uma decisão política do tipo que atrapalha o andamento da guerra."


A entrevista acima foi retirada da revista Veja - edição 2  453 - Ano 48 - nº 47, págs. 17, 20 e 21. 25 de novembro de 2015. Todos os direitos autorais reservados exclusivamente à revista Veja e a Editora Abril.


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